segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Perfume

“– Hoje um moço no ônibus tava usando seu perfume. Assim que ele sentou do meu lado eu pensei “nossa, é o cheiro dele.”
– Sério? E como você sabia que era o meu cheiro?
– Sei lá. Só era.”
Meses depois, outra pessoa entrou no mesmo ônibus com o mesmo cheiro. Ela desceu no primeiro ponto, apavorada. Respirou fundo e engoliu as lágrimas. A última vez que o sentira fora em seu último abraço, no corredor. Abraço de amigo, cumprimento. Não foi demorado ou seguido de um de seus beijos, mas o segundo que durou foi suficiente para embriagá-la pelo resto do dia. Seu aroma a hipnotizava toda vez que ela permitia, e também quando não era permitido.
O vício fora desenvolvido antes que ela pudesse perceber e, subitamente, tornou-se necessidade aspirar a essência cítrica e intensa. Talvez o que ela realmente gostasse fosse o aconchego de seu moletom, mas atribuía à fragrância que ele emitia. Sozinho, em um frasco ou amostra, talvez não a afetasse tanto – mas quando se tornava seu cheiro, era irresistível. Era o ingresso forçado para o flashback de todas as memórias que ela lutava diariamente para deixar no passado.
“– Mas cê não acha estranho? – afrouxou o abraço e fitou-o. – Eu assim, fungando seu cangote?
Ele riu.
– Não. Só se você achar estranho eu assim, encarando esse seu olhar.”
O perfume se tornou amargo no momento em que as coisas fugiram de seu controle – o amor que ela tanto temia dera as caras, tirando seu fôlego e arranhando dolorosamente cada parte de seu corpo. Quando gritou repetidamente as três palavras olhando em seus olhos, viu-o quase tapando os ouvidos, sem peito para aguentar as consequências de seus atos. Seu olhar desconcertado denunciava que suas palavras foram mentiras inocentes. Que nem ele mesmo sabia o que aquilo significava. Mas ela sabia e muito bem. Nesse momento, foram as mesmas notas que a intoxicaram, fazendo seus olhos arderem.

O próximo ônibus chegou e ela bloqueou seus pensamentos. Abriu seu livro de crônicas, pulou aquela música que surgira na playlist. Amaldiçoou-o por ter um perfume tão comum. Amaldiçoou também ao vidrinho, por ter surtido esse efeito sobre ela. Acima de tudo, praguejou a situação toda por tê-la deixado nesse estado. Exposta. Desceu, imaginando se o cheiro sairia de seu cardigan e de seu edredom. Suspirou, pedindo ao destino que a poupe de sentí-lo outra vez, sem querer. Que aquele perfume saia de uma vez de suas lembranças.
“Ever since we met, I've got just one regret to live through
And that one regret is you”