“– Hoje um moço no ônibus tava usando seu perfume. Assim
que ele sentou do meu lado eu pensei “nossa, é o cheiro dele.”
– Sério? E como você sabia que era o meu cheiro?
– Sei lá. Só era.”
Meses depois,
outra pessoa entrou no mesmo ônibus com o mesmo cheiro. Ela desceu no primeiro
ponto, apavorada. Respirou fundo e engoliu as lágrimas. A última vez que o sentira
fora em seu último abraço, no corredor. Abraço de amigo, cumprimento. Não foi demorado
ou seguido de um de seus beijos, mas o segundo que durou foi suficiente para embriagá-la
pelo resto do dia. Seu aroma a hipnotizava toda vez que ela permitia, e também
quando não era permitido.
O vício fora
desenvolvido antes que ela pudesse perceber e, subitamente, tornou-se
necessidade aspirar a essência cítrica e intensa. Talvez o que ela realmente
gostasse fosse o aconchego de seu moletom, mas atribuía à fragrância que ele
emitia. Sozinho, em um frasco ou amostra, talvez não a afetasse tanto – mas quando
se tornava seu cheiro, era irresistível.
Era o ingresso forçado para o flashback de todas as memórias que ela lutava
diariamente para deixar no passado.
“– Mas cê não acha estranho? – afrouxou o abraço e
fitou-o. – Eu assim, fungando seu cangote?
Ele riu.
– Não. Só se você achar estranho eu assim,
encarando esse seu olhar.”
O perfume se
tornou amargo no momento em que as coisas fugiram de seu controle – o amor que
ela tanto temia dera as caras, tirando seu fôlego e arranhando dolorosamente
cada parte de seu corpo. Quando gritou repetidamente as três palavras olhando em seus olhos, viu-o quase
tapando os ouvidos, sem peito para aguentar as consequências de seus atos. Seu olhar
desconcertado denunciava que suas palavras foram mentiras inocentes. Que nem
ele mesmo sabia o que aquilo significava. Mas ela sabia e muito bem. Nesse
momento, foram as mesmas notas que a intoxicaram, fazendo seus olhos arderem.
O próximo ônibus
chegou e ela bloqueou seus pensamentos. Abriu seu livro de crônicas, pulou aquela música que surgira na playlist. Amaldiçoou-o
por ter um perfume tão comum. Amaldiçoou também ao vidrinho, por ter surtido
esse efeito sobre ela. Acima de tudo, praguejou a situação toda por tê-la
deixado nesse estado. Exposta. Desceu, imaginando se o cheiro sairia de seu
cardigan e de seu edredom. Suspirou, pedindo ao destino que a poupe de sentí-lo outra vez, sem querer. Que aquele perfume saia de uma vez de suas lembranças.
“Ever since we met, I've got just
one regret to live through
And that one regret is you”