O episódio acabara havia um tempo, mas o aconchego de seu abraço a distraiu de forma que
ela nem percebeu. Conversavam sobre as banalidades de seu cotidiano – a nota de
Geografia recebida hoje, sete. Ele já tinha se acostumado a ouvi-la falar sobre
seu dia. Escutava atento, acariciando sua perna descoberta. Parou de falar e
fitou-o, observando os olhos castanhos e os cílios compridos.
– Sabe – ela
piscou, enrolando uma mecha de seu cabelo nos dedos, – eu queria poder dizer
que te amo, agora.
Ele virou-se
e encarou-a. Ela prosseguiu.
– ... Porque
tá tão bom isso, ficar assim com você. Eu tô sentindo uma coisa tão boa. –
Desviou o olhar, tirando uma sujeirinha de sua bochecha.
– Eu também –
ele apertou o abraço. Ela lançou-o aquele olhar sério e sonhador ao mesmo
tempo, que mostrava sempre que dividia com ele seus inúmeros devaneios. O olhar
pelo qual ele se apaixonara.
– Não, é
sério. – Curvou-se, abraçando-o outra vez. – É muito, muito bom. Não me lembro
de ter sentido isso alguma outra vez. – Abaixou a cabeça, respirando perto de
sua orelha. – Eu acho que nem sei mais o que é amor, então tenho medo de dizer
e não ser verdade. Por que sei lá, seja lá o que eu esteja sentindo, é verdade.
Tipo, muito verdade. – Rolou na cama, deitando-se ao seu lado.
Ela talvez
esperasse que ele a repreendesse – “uma coisa de cada vez” – ou que
retribuísse, dissesse que aquele monte de sei
lá era recíproco, mas ele apenas puxou-a para perto, beijando sua testa,
afagando seu cabelo. Mas ela entendeu quando ele apertou o toque e a fez sentir
de uma vez toda a segurança que ele a passava – como se tudo aquilo, apesar de
tudo, fosse verdade. Muito verdade.
Surpreendeu-se
com o repentino levantar do garoto, que segurou-a pela cintura, pegando-a no
colo. Ela riu e segurou-o forte, quase com medo de cair, divertida pela
sensação. Sentou-a na escrivaninha, abraçando-a e balançando seu corpo para os
lados. Ela sorriu, enrolando as pernas em seu quadril.
– Esses dias
eu li uma coisa – ela voltou a discorrer e ele se atentou a seu rosto outra
vez, paciente, – sobre relacionamentos, sentimentos, sei lá, que me chamou a
atenção. Era sobre um garoto e uma garota que viviam meio como a gente.
Querendo dominar o mundo juntos, um beijo por vez. E dizia que eles ficariam
juntos enquanto valesse a pena. Enquanto valer a pena.
– Você sempre
vai valer a pena. – Sua expressão fora gravada em sua memória.
Calmo, ingênuo, apaixonado.
– Não diz
isso – ela sorriu, desviando enquanto ele afastava seu cabelo do rosto. – Não dá
pra prever esse tipo de coisa...
– Por que
você tem essa mania de colocar prazo de validade nos seus sentimentos? –
Encarou-a sem piscar, percebendo sua expressão assustada. Ela abriu a boca,
desistindo de retrucar em seguida. – “Daqui a pouco eu esqueço.” “Se eu me
foder, em alguns meses passa.” “Não sei até quando eu vou gostar de você.” Para
com isso. Você sabe que isso não existe. Sabe melhor do que eu que é só medo –
ela abaixou a cabeça e ele ergueu-a com as mãos, mirando o fundo de seus olhos,
sério – e que não tem fundamento nenhum. – Soltou-a, deixando-a olhá-lo por
conta própria, tímida. – Por que você simplesmente não deixa acontecer? Mas de
verdade. Por inteiro.
Ela fitou o
teto, talvez pensando no que dizer, mas ficou em silêncio. Puxou-o para perto
com as pernas e beijou-o, num abraço forte, empurrando-o suavemente, sugerindo
que voltassem para o edredom. Poderia replicar, mas resolveu encerrar como ele
costumava fazer, sem admitir que era por falta de resposta. E, deixando-o
apagar a luz e dar play no próximo capítulo, sentindo suas mãos em sua
cintura e o calor de seus braços, percebeu que não havia nada a temer enquanto
ele estivesse ali.
" Eu sei que o tempo pode afastar a gente
Mas se o tempo afastar a gente é porque o nosso amor é fraco demais
E amores fracos não merecem o meu tempo"